sábado, 11 de fevereiro de 2012

O Poder da Música


A música tem realmente o poder que alguns lhe atribuem? O rock e estilos assemelhados podem ser usados como música sacra? A bateria é um instrumento musical apropriado para o louvor a Deus? O que dizer do exagero nos melismas? Quais os conselhos divinos para o louvor mais apropriado?
Quando era adolescente, no fim dos anos 1980 e começo dos anos 1990, eu apreciava o chamado rock progressivo, estilo de rock que surgiu no fim da década de 1960, na Inglaterra. Mas minha preferência musical era, de fato, o rock brasileiro dos anos 1980. Minhas bandas prediletas eram Legião Urbana, Engenheiros do Hawaii, Paralamas do Sucesso, Capital Inicial, entre outras. Vivia de rádio ligado (os CDs ainda não estavam popularizados) à espera de canções que diziam coisas como estas:
“Nós não precisamos saber pra onde vamos, nós só precisamos ir. Sem motivos, nem objetivos, estamos vivos e isso é tudo” (Engenheiros do Hawaii).
“Se lembra quando a gente chegou um dia a acreditar que tudo era pra sempre, sem saber que o pra sempre sempre acaba” (Legião Urbana).
“Quando tá escuro e ninguém te ouve, quando chega a noite e você pode chorar, há uma luz no túnel dos desesperados, há um cais de porto pra quem precisa chegar. Eu tô na lanterna dos afogados, eu tô te esperando, vê se não vai demorar” (Paralamas do Sucesso).
“O tempo não passa quando falo sozinho. Ninguém sabe onde estou nem pra onde eu vou; mas se tudo der errado, eu quero estar do seu lado dançando à beira do precipício” (Capital Inicial).
Qual era o efeito de tudo isso? A sensação de depressão, inconformismo e desesperança. Pelo menos era o que eu sentia. Uma das músicas, “Faroeste Caboclo”, conta a história de uma vida trágica, tem nove minutos de duração e eu sabia de memória (creio que ainda consigo me lembrar de quase toda, se quiser).
A música mexe com os sentimentos e ajuda a fixar ideias, conceitos. Talvez por isso Andrew Fletcher, estadista escocês do século 18, tenha escrito: “Deixe-me escrever as canções de uma nação e não vou me preocupar com quem escreve as suas leis.”
Por que mudei de “estação”?
Eu já estava cursando jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina e era recém-batizado na Igreja Adventista do Sétimo Dia, quando, certo dia, no ano de 1992, voltei cansado das aulas e resolvi ligar o rádio para relaxar. O apartamento-república estava vazio e aumentei o volume. Era uma dessas rádios FMs populares. Como nunca antes, comecei a ouvir atentamente o que o locutor dizia e a prestar atenção nas letras das músicas. De repente, me dei conta do quanto aquilo tudo era vazio e fútil. Desliguei o rádio e fui ler. Pouco tempo depois, me deparei com este texto inspirado:
“Voam anjos em torno de uma habitação além. Jovens estão ali reunidos; ouvem-se sons de música vocal e instrumental. Cristãos acham-se reunidos nessa casa; mas que é que ouvem? Uma canção, uma frívola cantiga, própria para o salão de baile. Veja, os puros anjos recolhem para si a luz, e os que se acham naquela habitação são envolvidos pelas trevas. Os anjos afastam-se da cena. Têm a tristeza no semblante” (Ellen G. White, Mensagens aos Jovens, p. 295).
O texto realmente me impressionou. Parecia a descrição exata das músicas que eu ainda gostava de ouvir (próprias para o salão de baile; para as discotecas, como a gente chamava naquele tempo). Daquele dia em diante, nunca mais ouvi essas canções. Não queria fazê-lo sem a companhia dos anjos. E Deus mudou meu gosto e minhas preferências musicais.
Música no Céu e no Éden
É interessante notar que antes mesmo de o ser humano ser criado a música já fazia parte da vida no Céu. Pelo menos é o que afirma Moisés no livro de Jó: “Quando as estrelas da alva [anjos], juntas, alegremente cantavam, e rejubilavam todos os filhos de Deus” (38:7).
Depois, quando o primeiro par humano foi criado neste planeta, a música também estava lá: “Os anjos associaram-se a Adão e Eva em santos acordes de harmoniosa música, e como seus cânticos ressoassem cheios de alegria pelo Éden, Satanás ouviu o som de suas melodias de adoração ao Pai e ao Filho. E quando Satanás o ouviu, sua inveja, ódio e malignidade aumentaram, e ele expressou a seus seguidores a sua ansiedade por incitá-los (Adão e Eva) a desobedecer, atraindo assim sobre eles a ira de Deus e mudando os seus cânticos de louvor em ódio e maldições ao seu Criador” (Ellen G. White, História da Redenção, p. 24, 29-30).
Por que Satanás ficou com toda essa raiva ao ouvir os puros cânticos? Simples: ele era o regente do coral angélico, antes de se rebelar contra Deus e ser expulso do Céu. Assim, com todo o conhecimento de que dispõe e motivado por ira insana, o inimigo de Deus procura usar a música para desonrar o Criador, pervertendo-lhe o propósito original de louvar o Senhor.
Música secular e profana
Isso quer dizer que somente a música sacra que louva a Deus pode ser ouvida? Não, necessariamente, mas é preciso fazer distinção entre a boa música secular e a música profana.
Certa ocasião, numa viagem de navio, Ellen White registrou: “Os músicos [no navio] [...] entretinham os impacientes passageiros com música bem apresentada e bem selecionada. Ela não feria os sentidos [...], era suave e realmente gratificante aos sentidos porque era harmoniosa” (Música – Sua Influência na Vida do Cristão, p. 56). Note que a música que ela elogia era suave e harmoniosa.
E quanto à música profana? É aquela que desonra a Deus, ofende Suas criaturas e rebaixa os princípios que devem reger a vida humana. Segundo Eurydice Osterman, no livro O Que Deus Diz Sobre a Música (Unaspress), “a música associada ao mundo entorpece a mente apelando à natureza carnal e, portanto, evoca reações físicas que minimizam a contemplação intelectual que é necessária para discernir e entender preceitos espirituais” (p. 13). Desse tipo de música é melhor manter distância.
Por que gostamos de música?
Pesquisa com ressonância magnética indicou que a percepção musical não é resultado do trabalho de uma área específica do cérebro, como ocorre com muitas atividades, mas da colaboração simultânea de grande quantidade de sistemas neurológicos. Esses dados foram publicados por Daniel Levitin, no livro This Is Your Brain on Music.
Muito do que se imagina ser o som do mundo exterior ocorre, na verdade, dentro do cérebro. As moléculas de ar que fazem vibrar os tímpanos não têm em si as variações entre sons graves e agudos. Elas oscilam numa determinada frequência que o cérebro mede; a partir disso, ele constrói uma representação interna com variações de tonalidade sonora. É similar ao que acontece com as ondas de luz, que são desprovidas de cor.
Além das regiões especializadas do cérebro, o cerebelo se “sincroniza” com o ritmo, tornando possível acompanhar a melodia. Interessante é que o cerebelo parece ter prazer no processo de sincronização.
Conclusão: o cérebro foi projetado para entender a música e gostar dela. É puro design inteligente. Assim como os anjos, fomos criados para fazer música e gostar dela.
A influência da música
No maravilhoso processo da audição, algumas partes do cérebro têm participação especial. Veja a explicação do doutor em fisiologia e professor da Universidade Federal de Santa Maria, Hélio Pothin: “O tálamo é uma estrutura de retransmissão de impulsos nervosos no sistema nervoso central. Sua função é escolher qual parte do córtex cerebral receberá os padrões de estímulos nervosos que chegam a ele. Assim, dependendo dos padrões de estímulos que chegam do ouvido, sejam da melodia, harmonia ou ritmo da música, o tálamo os envia para vários centros do sistema nervoso central, antes de enviá-los ao córtex pré-frontal (responsável pelo raciocínio, razão, discernimento entre o que é certo e errado, ou seja, a consciência). Estímulos nervosos provocados pela melodia da música são enviados pelo tálamo para o sistema límbico, responsável pela deflagração das emoções e sentimentos. Os estímulos nervosos provocados pela harmonia da música são enviados ao córtex pré-frontal. Os estímulos do ritmo da música, antes de serem enviados para o córtex pré-frontal, são enviados para diversas partes do corpo e podem afetar a liberação de hormônios, provocar movimentos e outras sensações, inclusive as mesmas das drogas psicoativas.”
Evidentemente que os efeitos da música sobre a mente e o corpo vão depender também da formação da pessoa e de seu condicionamento cultural. Além disso, levando-se em conta nossa natureza holística, conforme explica a Dra. Marisa Fonterrada, a experiência musical é, antes de tudo, uma “experiência global” (Fonterrada escreveu o livro De Tramas e Fios – Um ensaio sobre música e educação [Unesp]).
Alguns exemplos da influência direta da música no comportamento humano:
Música + volante – Na pesquisa realizada pela empresa fabricante de peças de automóveis Halfords, 60% dos participantes responderam que a música os afeta enquanto dirigem. A análise continuou para saber quais faixas afetavam esse comportamento e o resultado foi o seguinte: Beastie Boys (Sabotage) e The Prodigy (Firestarter) são um perigo! Dão vontade de acelerar além da conta.
Foi feita também uma lista de músicas tranquilas, encabeçada por “As Quatro Estações”, de Vivaldi, entre outras.
Música e álcool – Músicas agitadas e com batidas fortes fazem com que as pessoas consumam mais álcool em bares e boates. Além disso, ambientes ruidosos colaboram para que as pessoas percam o bom senso e bebam mais do que o “normal”.
Rock’n’Roll
Em seu livro História Social do Rock and Roll, Paul Friendlander afirma que o rock teria surgido no meio-oeste americano, sendo uma mistura de country e rythm and blues, tendo se baseado também no gospel. Já o samba, segundo alguns estudiosos, como o antropólogo Antonio Risério (autor do livro Lendo Música), tem origem na música dos cultos de matriz africana e na música de diversão dos escravos, sendo que os tambores proporcionam a rítmica peculiar que pode ser ouvida nos rituais afro-brasileiros.
Elvis Presley (1935-1977) é conhecido como o “rei do rock”. Ele era leitor de Helena Blavatski, co-fundadora da Sociedade Teosófica, uma das fundadoras do movimento Nova Era e contemporânea das irmãs Fox. Quando Elvis cantava hinos, chorava por saber que havia se vendido ao sucesso. Com ele, o rock deixa de ser apenas música para se tornar uma “febre”. Fenômeno semelhante ocorre com os Beatles (1960). A banda inglesa revolucionou não apenas a música, mas o estilo de vida das pessoas. Os músicos passaram a ser considerados “ídolos” e seu público é chamado “fã” (de fanático). A moda e o comportamento igualmente sofreram a influência desses “ídolos”. Os Beatles também promoveram, de certa forma, uma revolução espiritual: estiveram no Oriente e trouxeram de lá toda a influência do budismo, hinduísmo e Hare Krishna e a disseminaram no Ocidente.
Para alguns, o melhor e mais influente álbum da história do rock é Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band, de 1967. Na capa, os Beatles homenagearam 70 celebridades históricas, como Sigmund Freud, Bob Dylan, James Dean, Marlon Brando, Oscar Wilde, o Gordo e o Magro e líderes espirituais.
Na música tema, eles afirmam: “Hoje faz 20 anos que o Sargento Pimenta ensinou a banda a tocar.” E quem morreu 20 anos antes disso, em 1947? Aleister Crowley (1875-1947), o pai do satanismo moderno. Ele dizia falar diretamente com Satanás e ter recebido dele a missão de preparar o mundo para a chegada do anticristo por meio de cinco revoluções: social, sexual, das drogas, espiritual e satanista. O slogan dele era: “Do what thou wilt” (“Faze o que tu queres”). Crowley foi influenciado por Alice Bailey (1880-1949) e Helena Blavatsky.
Um amigo dos meus tempos de adolescente, grande fã dos Beatles, acabou, graças a eles, tendo contato com as ideias de Crowley. Sabia tudo sobre ele.
As revoluções libertárias dos anos 1960 foram em grande parte promovidas por seguidores de Crowley. Ele dizia que “qualquer um pode se tornar um gênio da música se se entregar ao satanismo”. “Sexo, drogas e rock’n’roll” é o conhecido slogan dessa “geração libertária”, e a frase “o diabo é o pai do rock”, de Raul Seixas, também garantiu seu lugar na história. Detalhe: Seixas ajudou a divulgar a obra de Crowley no Brasil. Na música “Sociedade Alternativa”, ele convidava: “Faz o que tu queres, pois é tudo da lei! Da lei! Viva! Viva! Viva a sociedade alternativa.”
Evidentemente que existem vários tipos de rock, desde o heavy ao soft. Mas uma coisa é certa: “Muitos dos valores representados pela cultura do rock estão em flagrante contradição com os valores da adoração e da aceitação reverente de Deus como o eterno Criador de todos os seres vivos” (Lilianne Doukhan, In Tune With God, p. 246).
Levando em conta essa origem, digamos, “nebulosa” do rock e a “flagrante contradição” de boa parte dessa cultura musical com a adoração, há quem questione a adequação desse estilo musical ao louvor cristão. Passagens bíblicas são apresentadas para expor essa inadequação: “Que sociedade pode haver entre a justiça e a iniquidade? Ou que comunhão, da luz com as trevas?”, pergunta Paulo em 2 Coríntios 6:14. E Jesus afirma: “Quem não é por Mim é contra Mim; e quem comigo não ajunta espalha” (Mateus 12:30). Dá o que pensar…
De minha parte, considerando-se minha formação e preferências musicais anteriores à minha conversão, quando ouço certas músicas ditas sacras, lembro-me do rock que eu “curtia”. E isso me soa como mistura do sagrado com o profano. Água e óleo.
Como diria o personagem Bart Simpson: “Rock cristão? Ridículo! Todos sabem que as melhores bandas são afiliadas de Satanás.”
(É claro que jovens que cresceram ouvindo “rock cristão” não fazem associações com uma experiência secular que não tiveram. Por isso eles não veem problemas com o “rock cristão/gospel”, o que não significa que essa mistura seja apropriada.)
Mistura imprópria
Em meu livro Nos Bastidores da Mídia (p. 72-76), publiquei uma entrevista com o pastor e conselheiro familiar Marcos Faiock Bomfim. Ele disse: “Satanás é um ser real, muito inteligente, e que nunca perde tempo. Ele sabe que música é algo que mexe profundamente com os sentimentos do ser humano; sabe que tipos diferentes de acordes, dispostos em sequências e ritmos diferentes podem produzir sentimentos que influenciam a mente para aceitar o pecado ou para afastar se de Deus; sabe que esses sentimentos, se repetidos, fixam padrões de conduta ou resposta. Assim, é importante saber que o que entra no cérebro humano pelos sentidos influencia de algum modo, para o bem ou para o mal. O conceito teológico do Grande Conflito nos revela que neste mundo simplesmente não existe coisa alguma absolutamente neutra. [...] A música sacra tende a privilegiar o desenvolvimento espiritual e a facilitar o contato com o Céu. A confusão acontece quando existe a mistura dos dois elementos – música popular com letra sagrada. Acontece então uma falta de integridade, uma inconsistência entre a letra e a música. A música ‘fala’ uma coisa e a letra, outra. O cérebro percebe essa incoerência, que pode ser transferida também para a vida espiritual. O próprio Espírito Santo não pode trabalhar, e, então, como diz Ellen White, as mesmas verdades que deveriam converter, podem acabar endurecendo (cf. Testemunhos Seletos, v. 2, p. 291).”
Testemunho de Ivor Myers
A Casa Publicadora Brasileira lançou no Brasil o livro Novo Ritmo – A História de um Ex-artista de Hip-Hop, no qual Ivor Myers conta sua impressionante história de conversão ao adventismo. Myers nasceu na Jamaica e, ainda criança, se mudou com a família para os EUA. Mais tarde, criou uma banda de hip-hop chamada The Boogie Monsters. Chegaram ao estrelato e assinaram um contrato superlucrativo de oito anos com a gravadora EMI Records. No capítulo 10, Myers conta a compreensão que seu irmão Sean (em processo de conversão) alcançou:
“– Rapazes, ando estudando um pouco, e acho que precisamos tirar a bateria da nossa música.
“Silêncio. Olhamos para Sean como se ele fosse de Netuno.
“– Acho que a percussão, a maneira como a usamos, pode não estar certa. Já li que o modo como se toca a bateria pode exercer um efeito negativo sobre as pessoas. Não sei direito como, mas acredito nisso. [Grifo meu.]
“Silêncio. Olhamos fixamente para ele, tentando assimilar essa ideia bizarra. Finalmente, um de nós se manifestou:
“– Nada de bateria? Nada de bateria? Você está maluco? A percussão é o sangue vital da nossa música. Sem bateria, não mexemos com a multidão!” [Grifo meu.]
Testemunho de Karl Tsatalbasidis
Karl Tsatalbasidis, ex-baterista de banda de jazz, estudou com os maiores músicos do Canadá e hoje é cristão adventista. Eis aqui algumas conclusões do autor, publicadas no livro Drums, Rock and Worship – Modern music in today’s church:
1. Alguns confundem tambores e instrumentos de percussão com bateria e esse erro leva à conclusão falsa de que, como a Bíblia menciona alguns instrumentos de percussão e tambores, então a bateria seria aceitável na adoração.
2. A Bíblia relata que tambores foram usados apenas em ocasiões festivas e não em cultos ou adoração. Eles foram sistematicamente excluídos do Templo e não fazem parte da música celestial descrita no Apocalipse. Além disso, é errado pensar que os instrumentos de percussão citados na adoração bíblica poderiam ser tocados da mesma maneira que a bateria é tocada hoje. [Também não significa que possamos usar a percussão como era usada no Antigo Israel. Além disso, é bom lembrar que o piano igualmente não faz parte da música celestial descrita no Apocalipse.]
3. Existe grande diferença no modo como os tambores (bumbo, tarol, tímpano) são tocados numa orquestra e na bateria numa banda de rock.
4. A bateria foi inventada para o único propósito de fortalecer o jazz, blues e todas as variedades de rock’n’roll. Por isso, não pode ser separada da origem do rock e do jazz.
5. O rock e o jazz estão associados a sexo, drogas, ocultismo e rebelião, por isso são formas de música inadequadas para a adoração. [Não podemos ignorar o fato de que muitos hinos tidos como “tradicionais” também têm origem, digamos, duvidosa. Alguns provêm de músicos maçons ou têm que ver com a guerra, o nacionalismo/patriotismo “rebelde”, o pentecostalismo, a valsa e o gospel, e mesmo com canções populares.]
Bateria: terreno pantanoso
Em seu livro Cristãos em Busca do Êxtase, o jornalista Vanderlei Dorneles sustenta que “a exclusão do tambor no templo pode indicar que Deus não quis o instrumento na música de adoração por causa de sua influência” (p. 193; grifo meu).
Mais enfático é Samuele Bacchiocchi, em seu livro O Cristão e a Música Rock, ao afirmar que “nenhum instrumento de percussão foi permitido no Templo. O canto e a música instrumental no Templo deveriam diferir daqueles usados na vida social do povo” (p. 209). [Cf. 2 Crônicas 29:25.]
Dorneles cita Helen Grauman, segundo a qual a flauta também foi excluída da lista de instrumentos do templo. Então o silêncio sobre um tópico quer dizer a confirmação de uma hipótese? Talvez não.
No livro In Tune With God (Review and Herald), páginas 113 e 114, a Dra. Doukhan diz que se alguém argumentar que os tambores têm que ser excluídos da igreja com base em práticas bíblicas do Templo hebraico, então as mulheres deveriam ser excluídas do serviço musical da igreja (ou de qualquer outra atividade na igreja). Se as flautas não foram aceitas na disposição litúrgica do Templo, não haveria lugar para o órgão hoje, pois este é nada mais que um “grupo de flautas” (os tubos de um órgão têm a função de flautas).
O piano, o órgão e o violão ¬– todos passaram por debate semelhante. Mas isso não significa que o uso desses instrumentos não deva ser alvo de estudos e motivo de oração. Além disso, é sempre bom lembrar que, na adoração, não é meu gosto que deve prevalecer, do contrário, estarei reproduzindo a atitude de Caim.
No artigo “Música sacra, controle religioso e fetiche cultural”, Joêzer Mendonça, doutorando em musicologia na Unesp, sugere que “é preciso verificar se determinada comunidade religiosa, com diferentes grupos etários e culturais, reunida num templo se sente à vontade com mudanças litúrgicas mais radicais e ‘emergentes’. Uma comunidade poderá se sentir pronta para certas mudanças e outras nem tanto. Porém, se esse debate não cessa, que ao menos fique livre de tradicionalismos obscurantistas e inovações irrefletidas”.
Creio que três versos paulinos se encaixem bem neste contexto: “Todas as coisas são permitidas, mas nem todas são proveitosas. Todas as coisas são permitidas, mas nem todas são edificantes. Ninguém busque seu próprio bem, e sim o dos outros. [...] Não vos torneis motivo de tropeço nem para judeus, nem para gregos, nem à igreja de Deus, assim como em tudo eu também procuro agradar a todos. Pois não busco meu próprio bem, mas o de muitos, para que sejam salvos” (1 Coríntios 10:23, 24, 33).
“Deve haver um cuidado especial para não utilizar músicas que apenas agradem os sentidos, tenham ligação com o carismatismo, ou tenham predominância de ritmo”, recomenda o Voto 2005-116 (5/5/2005), da Divisão Sul-Americana da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Esse é um ótimo conselho da Igreja.
Hiperestimulação
Minha esposa gosta muito do filme clássico “A Noviça Rebelde”, de 1965. Nele há longas tomadas com diálogos e caminhadas ao som de musiquinhas tranquilas. Hoje nenhum diretor se dá ao luxo de filmar assim. Os filmes têm tomadas curtas, cheias de ação e mudanças de planos. Se não for assim, a plateia dorme. Por quê? Porque as pessoas foram aos poucos acostumadas com a hiperestimulação dos sentidos.
O mesmo ocorre com o paladar. Se lhes fossem oferecidos uma maçã ou um sorvete, geralmente as pessoas optariam por qual deles? O paladar de alguns está tão pervertido que os alimentos simples, não condimentados ou açucarados, já não lhes dão prazer gustativo. Culpa da hiperestimulação.
No sexo ocorre fenômeno semelhante. A exposição da nudez quase não mais choca ou constrange esta geração sensualizada. O sexo criado por Deus foi deturpado e deu origem à pornografia, pedofilia, zoofilia e outras barbaridades. Hiperestimulação.
Você acha que a música ficaria fora dessa tendência?
A hiperestimulação, no que diz respeito à música, consiste em supervalorizar o ritmo e o volume em detrimento da melodia e da harmonia. Note como Ellen White define o bom cântico: “O bom cântico é como a música dos pássaros – suave e melodioso” (Música, p. 26; grifo meu). E Paulo escreveu: “Cantarei com o espírito, mas também cantarei com a mente” (1 Coríntios 14:15; grifo meu). O que a hiperestimulação faz é justamente dificultar o pensamento racional. E viciar.
De acordo com Norman Weinberger, o ritmo repetitivo sincopado e marcado aumenta os níveis de neurotransmissores (noradrenalina, serotonina e dopamina) e de adrenalina no sistema nervoso central, gerando prazer. A música com esse tipo de ritmo ativa alguns dos mesmos sistemas de recompensa estimulados por comida, sexo e drogas (“Mente e cérebro – segredos dos sentidos”, Scientific American Brasil, Edição Especial nº 12, p. 53).
Em seu livro In Tune With God , Lilianne Doukhan afirma que, “no estilo musical em que um dos elementos [da música] torna-se dominante em detrimento dos outros através de uma presença monolítica, sustentada e acentuada, o princípio do equilíbrio é destruído e o efeito holístico da música que deve caracterizar nossa música de adoração, em particular, fica perdido” (p. 27, 28).
Assim como ocorre com a gustação e o sexo, o prazer, em si, é neutro. Mas o sexo fora de contexto e pervertido pode causar uma resposta dopamínica viciante naquilo que é errado. Quando praticado no contexto certo, cria vínculos (oxitocina/vasopressina) com o parceiro e “vicia” de modo correto. É possível sentir prazer com qualquer tipo de música, mas a sensação em si a torna adequada? Meu gosto será guia seguro?
Segundo Ellen White, “Satanás sabe que órgãos excitar [hiperestimular] para animar, monopolizar e atrair a mente de modo que Cristo não seja desejado. Os anelos espirituais da alma [...] ficam por esperar” (O Lar Adventista, página 407). E mais: “Se trabalharmos para criar excitação do sentimento, teremos tudo quanto queremos, e mais do que possivelmente podemos saber como manejar. [...] Importa não considerar nossa obra criar excitação. Unicamente o Espírito de Deus pode criar um entusiasmo são” (Mensagens Escolhidas, v. 2, p. 16, 17).
Por isso o Manual da Igreja (edição 2010) aconselha: devemos “exercer grande cuidado na escolha da música no lar, nos encontros sociais, nas escolas e igrejas. Toda melodia que partilhe da natureza do jazz, rock ou formas híbridas relacionadas e toda linguagem que expresse sentimentos tolos ou triviais, serão evitadas” (p. 151). Isso significa que a Igreja Adventista do Sétimo Dia desaprova qualquer tipo de música que faça lembrar os estilos musicais mencionados acima.
Floreios e contorcionismos vocais
“Tenho ouvido em algumas de nossas igrejas solos completamente inadequados ao culto na casa do Senhor. As notas prolongadas e os floreios, comuns nas óperas, não agradam aos anjos. Eles se deleitam em ouvir os simples cânticos de louvor entoados em tom natural. Unem-se a nós nos cânticos em que cada palavra é pronunciada claramente, em tom harmonioso. Eles combinam o coro, entoado de coração, com o espírito e o entendimento” (Ellen G. White, Evangelismo, p. 510).
Por que será que os anjos não se agradam das “notas prolongadas” e dos “floreios comuns nas óperas”, quando usados na igreja? A expressão a seguir, sua definição e aplicação é um forte auxílio para que compreendamos os motivos para a orientação recebida do Céu, segundo Aurélio Ludvig, professor de Educação Musical no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (Ifam):
Ad libitum. Essa expressão aparece na partitura de algumas óperas e outras formas musicais. Refere-se principalmente às partes dos solistas, nas quais eles têm liberdade de interpretação, a parte da contagem rítmica. As notas musicais (sons definidos, com nome e altura) podem ser identificadas nesse tipo de recurso vocal, a coloratura. Em geral, isso faz com que o solista seja exaltado pela plateia porque ele pode mostrar ali todo o seu virtuosismo. Traduzindo: show.
O louvor dos anjos passa longe disso: “Os serafins ao redor do trono acham-se tão cheios de solene reverência ao contemplar a glória de Deus, que nem por um instante se olham a si mesmos com admiração. Seu louvor é para o Senhor dos Exércitos. Ao contemplarem o futuro, quando toda a Terra será cheia de Sua glória, o triunfante cântico ecoa de um a outro em melodioso acento: ‘Santo, Santo, Santo é o Senhor dos Exércitos’ (Is 6:3). Acham-se plenamente satisfeitos de glorificar a Deus; permanecendo em Sua presença, sob Seu sorriso de aprovação, nada mais desejam” (Ellen White, Obreiros Evangélicos, p. 21).
Para Ludvig, o Ad libitum se assemelha ao famoso melisma. “Nesse recurso, não há a possibilidade de identificação das notas musicais. Muitas vezes, as pessoas não conseguem alcançar notas mais agudas, por isso fazem uma pequena curvatura nelas, até as definirem. Mas se não alcançam, por que não experimentam cantar aquelas músicas que sabem que não precisarão de um ‘jeitinho’? Se cada palavra deve ser pronunciada claramente, em tom harmonioso, para que serve o melisma?”
É claro que a música judaica, por exemplo, é cheia de melismas. O canto gregoriano é também um canto melismático. No contexto da adoração cristã, o que se recomenda é que não se exagere nesse recurso e que ele não seja transformado em exibição vocal ou maneirismo chato e abusivo.
Relativismo musical
“Vivemos o período conhecido como pós-modernidade, caracterizado por um relativismo avesso à verdade absoluta. O choque entre a visão adventista e o espírito desta época afeta a questão da adoração”, escreveu o teólogo Douglas Reis, em seu livro O Y da Questão (capítulo 14). Depois ele cita o artigo de Daniel Plenc, “O culto como adoração: uma perspectiva de Ellen White” (Dialogue, 20[2], 15-16): “Se encararmos a adoração como um reconhecimento do caráter amoroso de Deus e uma homenagem sincera a Seus atributos, seremos levados a reconhecer que a adoração tem de agradar-Lhe. É dever do adorador apresentar algo agradável ao ser adorado.”
Exemplo de relativismo: “O que faz uma música sagrada é a sua mensagem [letra]. A música não é nada mais do que um arranjo de notas e ritmo. […] Não existe música cristã, mas, sim, letras cristãs. Se fosse tocada uma música sem palavras, você não saberia se é cristã ou não” (Rick Waren, Uma Igreja com Propósito, p. 272-273).
Douglas arremata: “Quando Ellen White comenta os efeitos danosos que a ‘música popular’ de seus dias causava sobre os jovens, desviando-lhes ‘a mente da verdade’ [T, v. 1, p. 496, 497], temos de entender sua orientação dentro de uma ‘época em que o jazz começava a se generalizar’. Daí se pode constatar que Ellen White era uma crítica social, não alguém que recomendasse o uso indiscriminado de influências culturais com objetivos evangelísticos.”
Conselhos inspirados
“Como parte do culto, o canto é um ato de adoração tanto como a oração” (Ellen White, Música, p. 11).
“Frequentemente, pelas palavras de um canto sagrado, são liberadas as fontes do arrependimento e da fé” (Ibidem, p. 12).
“Não é o cantar forte que é necessário, mas a entonação clara, a pronúncia correta e a expressão vocal distinta. [...] que o louvor a Deus seja entoado em tons claros e suaves, sem estridências que ofendam o ouvido” (Ibidem, p. 24).
“Às vezes é mais difícil disciplinar os cantores e fazê-los atuar de forma adequada, do que desenvolver hábitos de oração e exortação. Muitos querem fazer as coisas à sua maneira. Não concordam com as regras, e ficam impacientes sob a liderança de alguém” (Ibidem, p. 25).
“Deus não Se agrada de barulho e desarmonia” (Ibidem, p. 32).
“A música, quando bem utilizada, é uma grande bênção, mas, quando mal-usada, uma terrível maldição” (Ibidem, p. 48).
Dividir para conquistar
O assunto da música na igreja tem sido um dos mais polêmicos nos últimos anos. Discussões acaloradas envolvem o uso desse ou daquele instrumento; estilos musicais; comercialização da música; etc. Sem dúvida, dialogar sobre esse tema nos ajuda a ampliar os horizontes e pode ser realmente benéfico, se o desejo é aprender humildemente para louvar cada vez melhor Aquele que nos criou e redimiu.
Mas há um perigo destacado por Eurydice Osterman, em seu livro O Que Deus diz Sobre a Música: “Quando nossa discussão sobre esses temas nos desviam de focalizar nossa atenção em Deus, esteja certo de que o inimigo plantou sua semente de discórdia com sucesso de modo que ele pode dividir e conquistar, e, afinal, conduzir seus cativos à perdição” (p. 24).
Não podemos permitir que esse ou qualquer outro assunto promova divisão entre o povo de Deus, cumprindo ao contrário a oração de Jesus registrada no capítulo 17 do evangelho de João. A unidade da igreja deve estar acima das preferências de seus membros, e os cristãos maduros saberão deixar o eu de lado para cumprir o desejo do Senhor para Seus filhos: que sejam um.
Adoração
No capítulo 3 do livro de Daniel está a descrição de uma cena dramática. Uma multidão foi convocada pelo rei Nabucodonosor para se prostrar diante de uma estátua de ouro que ele mandou construir. Música foi usada na celebração: “Quando todos os povos ouviram o som da trombeta, do pífaro, da harpa, da cítara, do saltério e de toda sorte de música, se prostraram os povos, as nações e homens de todas as línguas e adoraram a imagem de ouro” (Daniel 3:7; grifo meu). Apenas três jovens hebreus leais a Deus não se deixaram envolver pelas músicas e pelo clima do culto pagão.
A história deixa claro que Satanás aceita e promove “toda sorte de música” e a usa com objetivos espúrios, a fim de escravizar as pessoas e afastá-las do Criador e do verdadeiro culto “racional” (Romanos 12:1). Entretanto, Deus aceita somente a adoração e o louvor conscientes de Seus filhos fiéis.
Devemos sempre louvar com reverência e alegria o Deus que nos criou e redimiu. Louvar do melhor modo que pudermos, sem nos esquecer de que o louvor pode e deve ser aprimorado sempre: “Quenanias, chefe dos levitas, estava encarregado dos cânticos e os dirigia, porque era capacitado” (1 Crônicas 15:22). Busque a capacitação – especialmente aquela que vem do Alto.
Michelson Borges, jornalista e mestre em teologia

Fonte: Revista Adventista

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