A música tem realmente o poder que alguns lhe atribuem? O
rock e estilos assemelhados podem ser usados como música sacra? A
bateria é um instrumento musical apropriado para o louvor a Deus? O que
dizer do exagero nos melismas? Quais os conselhos divinos para o louvor
mais apropriado?
Quando era adolescente, no fim dos anos 1980 e começo dos anos 1990,
eu apreciava o chamado rock progressivo, estilo de rock que surgiu no
fim da década de 1960, na Inglaterra. Mas minha preferência musical era,
de fato, o rock brasileiro dos anos 1980. Minhas bandas prediletas eram
Legião Urbana, Engenheiros do Hawaii, Paralamas do Sucesso, Capital
Inicial, entre outras. Vivia de rádio ligado (os CDs ainda não estavam
popularizados) à espera de canções que diziam coisas como estas:
“Nós não precisamos saber pra onde vamos, nós só precisamos ir. Sem
motivos, nem objetivos, estamos vivos e isso é tudo” (Engenheiros do
Hawaii).
“Se lembra quando a gente chegou um dia a acreditar que tudo era pra
sempre, sem saber que o pra sempre sempre acaba” (Legião Urbana).
“Quando tá escuro e ninguém te ouve, quando chega a noite e você pode
chorar, há uma luz no túnel dos desesperados, há um cais de porto pra
quem precisa chegar. Eu tô na lanterna dos afogados, eu tô te esperando,
vê se não vai demorar” (Paralamas do Sucesso).
“O tempo não passa quando falo sozinho. Ninguém sabe onde estou nem
pra onde eu vou; mas se tudo der errado, eu quero estar do seu lado
dançando à beira do precipício” (Capital Inicial).
Qual era o efeito de tudo isso? A sensação de depressão,
inconformismo e desesperança. Pelo menos era o que eu sentia. Uma das
músicas, “Faroeste Caboclo”, conta a história de uma vida trágica, tem
nove minutos de duração e eu sabia de memória (creio que ainda consigo
me lembrar de quase toda, se quiser).
A música mexe com os sentimentos e ajuda a fixar ideias, conceitos.
Talvez por isso Andrew Fletcher, estadista escocês do século 18, tenha
escrito: “Deixe-me escrever as canções de uma nação e não vou me
preocupar com quem escreve as suas leis.”
Por que mudei de “estação”?
Eu já estava cursando jornalismo na Universidade Federal de Santa
Catarina e era recém-batizado na Igreja Adventista do Sétimo Dia,
quando, certo dia, no ano de 1992, voltei cansado das aulas e resolvi
ligar o rádio para relaxar. O apartamento-república estava vazio e
aumentei o volume. Era uma dessas rádios FMs populares. Como nunca
antes, comecei a ouvir atentamente o que o locutor dizia e a prestar
atenção nas letras das músicas. De repente, me dei conta do quanto
aquilo tudo era vazio e fútil. Desliguei o rádio e fui ler. Pouco tempo
depois, me deparei com este texto inspirado:
“Voam anjos em torno de uma habitação além. Jovens estão ali
reunidos; ouvem-se sons de música vocal e instrumental. Cristãos
acham-se reunidos nessa casa; mas que é que ouvem? Uma canção, uma
frívola cantiga, própria para o salão de baile. Veja, os puros anjos
recolhem para si a luz, e os que se acham naquela habitação são
envolvidos pelas trevas. Os anjos afastam-se da cena. Têm a tristeza no
semblante” (Ellen G. White,
Mensagens aos Jovens, p. 295).
O texto realmente me impressionou. Parecia a descrição exata das
músicas que eu ainda gostava de ouvir (próprias para o salão de baile;
para as discotecas, como a gente chamava naquele tempo). Daquele dia em
diante, nunca mais ouvi essas canções. Não queria fazê-lo sem a
companhia dos anjos. E Deus mudou meu gosto e minhas preferências
musicais.
Música no Céu e no Éden
É interessante notar que antes mesmo de o ser humano ser criado a
música já fazia parte da vida no Céu. Pelo menos é o que afirma Moisés
no livro de Jó: “Quando as estrelas da alva [anjos], juntas, alegremente
cantavam, e rejubilavam todos os filhos de Deus” (38:7).
Depois, quando o primeiro par humano foi criado neste planeta, a
música também estava lá: “Os anjos associaram-se a Adão e Eva em santos
acordes de harmoniosa música, e como seus cânticos ressoassem cheios de
alegria pelo Éden, Satanás ouviu o som de suas melodias de adoração ao
Pai e ao Filho. E quando Satanás o ouviu, sua inveja, ódio e malignidade
aumentaram, e ele expressou a seus seguidores a sua ansiedade por
incitá-los (Adão e Eva) a desobedecer, atraindo assim sobre eles a ira
de Deus e mudando os seus cânticos de louvor em ódio e maldições ao seu
Criador” (Ellen G. White,
História da Redenção, p. 24, 29-30).
Por que Satanás ficou com toda essa raiva ao ouvir os puros cânticos?
Simples: ele era o regente do coral angélico, antes de se rebelar
contra Deus e ser expulso do Céu. Assim, com todo o conhecimento de que
dispõe e motivado por ira insana, o inimigo de Deus procura usar a
música para desonrar o Criador, pervertendo-lhe o propósito original de
louvar o Senhor.
Música secular e profana
Isso quer dizer que somente a música sacra que louva a Deus pode ser
ouvida? Não, necessariamente, mas é preciso fazer distinção entre a boa
música secular e a música profana.
Certa ocasião, numa viagem de navio, Ellen White registrou: “Os
músicos [no navio] [...] entretinham os impacientes passageiros com
música bem apresentada e bem selecionada. Ela não feria os sentidos
[...], era suave e realmente gratificante aos sentidos porque era
harmoniosa” (
Música – Sua Influência na Vida do Cristão, p. 56). Note que a música que ela elogia era
suave e
harmoniosa.
E quanto à música profana? É aquela que desonra a Deus, ofende Suas
criaturas e rebaixa os princípios que devem reger a vida humana. Segundo
Eurydice Osterman, no livro
O Que Deus Diz Sobre a Música (Unaspress),
“a música associada ao mundo entorpece a mente apelando à natureza
carnal e, portanto, evoca reações físicas que minimizam a contemplação
intelectual que é necessária para discernir e entender preceitos
espirituais” (p. 13). Desse tipo de música é melhor manter distância.
Por que gostamos de música?
Pesquisa com ressonância magnética indicou que a percepção musical
não é resultado do trabalho de uma área específica do cérebro, como
ocorre com muitas atividades, mas da colaboração simultânea de grande
quantidade de sistemas neurológicos. Esses dados foram publicados por
Daniel Levitin, no livro This
Is Your Brain on Music.
Muito do que se imagina ser o som do mundo exterior ocorre, na
verdade, dentro do cérebro. As moléculas de ar que fazem vibrar os
tímpanos não têm em si as variações entre sons graves e agudos. Elas
oscilam numa determinada frequência que o cérebro mede; a partir disso,
ele constrói uma representação interna com variações de tonalidade
sonora. É similar ao que acontece com as ondas de luz, que são
desprovidas de cor.
Além das regiões especializadas do cérebro, o cerebelo se
“sincroniza” com o ritmo, tornando possível acompanhar a melodia.
Interessante é que o cerebelo parece ter prazer no processo de
sincronização.
Conclusão: o cérebro foi projetado para entender a música e gostar dela. É puro
design inteligente. Assim como os anjos, fomos criados para fazer música e gostar dela.
A influência da música
No maravilhoso processo da audição, algumas partes do cérebro têm
participação especial. Veja a explicação do doutor em fisiologia e
professor da Universidade Federal de Santa Maria, Hélio Pothin: “O
tálamo é uma estrutura de retransmissão de impulsos nervosos no sistema
nervoso central. Sua função é escolher qual parte do córtex cerebral
receberá os padrões de estímulos nervosos que chegam a ele. Assim,
dependendo dos padrões de estímulos que chegam do ouvido, sejam da
melodia, harmonia ou ritmo da música, o tálamo os envia para vários
centros do sistema nervoso central, antes de enviá-los ao córtex
pré-frontal (responsável pelo raciocínio, razão, discernimento entre o
que é certo e errado, ou seja, a consciência). Estímulos nervosos
provocados pela melodia da música são enviados pelo tálamo para o
sistema límbico, responsável pela deflagração das emoções e sentimentos.
Os estímulos nervosos provocados pela harmonia da música são enviados
ao córtex pré-frontal. Os estímulos do ritmo da música, antes de serem
enviados para o córtex pré-frontal, são enviados para diversas partes do
corpo e podem afetar a liberação de hormônios, provocar movimentos e
outras sensações, inclusive as mesmas das drogas psicoativas.”
Evidentemente que os efeitos da música sobre a mente e o corpo vão
depender também da formação da pessoa e de seu condicionamento cultural.
Além disso, levando-se em conta nossa natureza holística, conforme
explica a Dra. Marisa Fonterrada, a experiência musical é, antes de
tudo, uma “experiência global” (Fonterrada escreveu o livro
De Tramas e Fios – Um ensaio sobre música e educação [Unesp]).
Alguns exemplos da influência direta da música no comportamento humano:
Música + volante – Na pesquisa realizada pela empresa
fabricante de peças de automóveis Halfords, 60% dos participantes
responderam que a música os afeta enquanto dirigem. A análise continuou
para saber quais faixas afetavam esse comportamento e o resultado foi o
seguinte: Beastie Boys (Sabotage) e The Prodigy (Firestarter) são um
perigo! Dão vontade de acelerar além da conta.
Foi feita também uma lista de músicas tranquilas, encabeçada por “As Quatro Estações”, de Vivaldi, entre outras.
Música e álcool – Músicas agitadas e com batidas fortes
fazem com que as pessoas consumam mais álcool em bares e boates. Além
disso, ambientes ruidosos colaboram para que as pessoas percam o bom
senso e bebam mais do que o “normal”.
Rock’n’Roll
Em seu livro
História Social do Rock and Roll, Paul
Friendlander afirma que o rock teria surgido no meio-oeste americano,
sendo uma mistura de country e rythm and blues, tendo se baseado também
no gospel. Já o samba, segundo alguns estudiosos, como o antropólogo
Antonio Risério (autor do livro
Lendo Música), tem origem na
música dos cultos de matriz africana e na música de diversão dos
escravos, sendo que os tambores proporcionam a rítmica peculiar que pode
ser ouvida nos rituais afro-brasileiros.
Elvis Presley (1935-1977) é conhecido como o “rei do rock”.
Ele era leitor de Helena Blavatski, co-fundadora da Sociedade Teosófica,
uma das fundadoras do movimento Nova Era e contemporânea das irmãs Fox.
Quando Elvis cantava hinos, chorava por saber que havia se vendido ao
sucesso. Com ele, o rock deixa de ser apenas música para se tornar uma
“febre”. Fenômeno semelhante ocorre com os Beatles (1960). A banda
inglesa revolucionou não apenas a música, mas o estilo de vida das
pessoas. Os músicos passaram a ser considerados “ídolos” e seu público é
chamado “fã” (de fanático). A moda e o comportamento igualmente
sofreram a influência desses “ídolos”. Os Beatles também promoveram, de
certa forma, uma revolução espiritual: estiveram no Oriente e trouxeram
de lá toda a influência do budismo, hinduísmo e Hare Krishna e a
disseminaram no Ocidente.
Para alguns, o melhor e mais influente álbum da história do rock é
Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band, de 1967. Na capa, os Beatles
homenagearam 70 celebridades históricas, como Sigmund Freud, Bob Dylan,
James Dean, Marlon Brando, Oscar Wilde, o Gordo e o Magro e líderes
espirituais.
Na música tema, eles afirmam: “Hoje faz 20 anos que o Sargento
Pimenta ensinou a banda a tocar.” E quem morreu 20 anos antes disso, em
1947? Aleister Crowley (1875-1947), o pai do satanismo moderno. Ele
dizia falar diretamente com Satanás e ter recebido dele a missão de
preparar o mundo para a chegada do anticristo por meio de cinco
revoluções: social, sexual, das drogas, espiritual e satanista. O
slogan dele
era: “Do what thou wilt” (“Faze o que tu queres”). Crowley foi
influenciado por Alice Bailey (1880-1949) e Helena Blavatsky.
Um amigo dos meus tempos de adolescente, grande fã dos Beatles,
acabou, graças a eles, tendo contato com as ideias de Crowley. Sabia
tudo sobre ele.
As revoluções libertárias dos anos 1960 foram em grande parte
promovidas por seguidores de Crowley. Ele dizia que “qualquer um pode se
tornar um gênio da música se se entregar ao satanismo”. “Sexo, drogas e
rock’n’roll” é o conhecido
slogan dessa “geração libertária”, e
a frase “o diabo é o pai do rock”, de Raul Seixas, também garantiu seu
lugar na história. Detalhe: Seixas ajudou a divulgar a obra de Crowley
no Brasil. Na música “Sociedade Alternativa”, ele convidava: “Faz o que
tu queres, pois é tudo da lei! Da lei! Viva! Viva! Viva a sociedade
alternativa.”
Evidentemente que existem vários tipos de rock, desde o
heavy ao
soft.
Mas uma coisa é certa: “Muitos dos valores representados pela cultura
do rock estão em flagrante contradição com os valores da adoração e da
aceitação reverente de Deus como o eterno Criador de todos os seres
vivos” (Lilianne Doukhan,
In Tune With God, p. 246).
Levando em conta essa origem, digamos, “nebulosa” do rock e a
“flagrante contradição” de boa parte dessa cultura musical com a
adoração, há quem questione a adequação desse estilo musical ao louvor
cristão. Passagens bíblicas são apresentadas para expor essa
inadequação: “Que sociedade pode haver entre a justiça e a iniquidade?
Ou que comunhão, da luz com as trevas?”, pergunta Paulo em 2 Coríntios
6:14. E Jesus afirma: “Quem não é por Mim é contra Mim; e quem comigo
não ajunta espalha” (Mateus 12:30). Dá o que pensar…
De minha parte, considerando-se minha formação e preferências
musicais anteriores à minha conversão, quando ouço certas músicas ditas
sacras, lembro-me do rock que eu “curtia”. E isso me soa como mistura do
sagrado com o profano. Água e óleo.
Como diria o personagem Bart Simpson: “Rock cristão? Ridículo! Todos sabem que as melhores bandas são afiliadas de Satanás.”
(É claro que jovens que cresceram ouvindo “rock cristão” não fazem
associações com uma experiência secular que não tiveram. Por isso eles
não veem problemas com o “rock cristão/gospel”, o que não significa que
essa mistura seja apropriada.)
Mistura imprópria
Em meu livro
Nos Bastidores da Mídia (p. 72-76), publiquei
uma entrevista com o pastor e conselheiro familiar Marcos Faiock Bomfim.
Ele disse: “Satanás é um ser real, muito inteligente, e que nunca perde
tempo. Ele sabe que música é algo que mexe profundamente com os
sentimentos do ser humano; sabe que tipos diferentes de acordes,
dispostos em sequências e ritmos diferentes podem produzir sentimentos
que influenciam a mente para aceitar o pecado ou para afastar se de
Deus; sabe que esses sentimentos, se repetidos, fixam padrões de conduta
ou resposta. Assim, é importante saber que o que entra no cérebro
humano pelos sentidos influencia de algum modo, para o bem ou para o
mal. O conceito teológico do Grande Conflito nos revela que neste mundo
simplesmente não existe coisa alguma absolutamente neutra. [...] A
música sacra tende a privilegiar o desenvolvimento espiritual e a
facilitar o contato com o Céu. A confusão acontece quando existe a
mistura dos dois elementos – música popular com letra sagrada. Acontece
então uma falta de integridade, uma inconsistência entre a letra e a
música. A música ‘fala’ uma coisa e a letra, outra. O cérebro percebe
essa incoerência, que pode ser transferida também para a vida
espiritual. O próprio Espírito Santo não pode trabalhar, e, então, como
diz Ellen White, as mesmas verdades que deveriam converter, podem acabar
endurecendo (cf.
Testemunhos Seletos, v. 2, p. 291).”
Testemunho de Ivor Myers
A Casa Publicadora Brasileira lançou no Brasil o livro
Novo Ritmo – A História de um Ex-artista de Hip-Hop,
no qual Ivor Myers conta sua impressionante história de conversão ao
adventismo. Myers nasceu na Jamaica e, ainda criança, se mudou com a
família para os EUA. Mais tarde, criou uma banda de hip-hop chamada The
Boogie Monsters. Chegaram ao estrelato e assinaram um contrato
superlucrativo de oito anos com a gravadora EMI Records. No capítulo 10,
Myers conta a compreensão que seu irmão Sean (em processo de conversão)
alcançou:
“– Rapazes, ando estudando um pouco, e acho que precisamos tirar a bateria da nossa música.
“Silêncio. Olhamos para Sean como se ele fosse de Netuno.
“– Acho que a percussão, a maneira como a usamos, pode não estar certa. Já li que
o modo como se toca a bateria pode exercer um efeito negativo sobre as pessoas. Não sei direito como, mas acredito nisso. [Grifo meu.]
“Silêncio. Olhamos fixamente para ele, tentando assimilar essa ideia bizarra. Finalmente, um de nós se manifestou:
“– Nada de bateria? Nada de bateria? Você está maluco? A percussão é o sangue vital da nossa música.
Sem bateria, não mexemos com a multidão!” [Grifo meu.]
Testemunho de Karl Tsatalbasidis
Karl Tsatalbasidis, ex-baterista de banda de jazz, estudou com os
maiores músicos do Canadá e hoje é cristão adventista. Eis aqui algumas
conclusões do autor, publicadas no livro
Drums, Rock and Worship – Modern music in today’s church:
1. Alguns confundem tambores e instrumentos de percussão com bateria e
esse erro leva à conclusão falsa de que, como a Bíblia menciona alguns
instrumentos de percussão e tambores, então a bateria seria aceitável na
adoração.
2. A Bíblia relata que tambores foram usados apenas em ocasiões
festivas e não em cultos ou adoração. Eles foram sistematicamente
excluídos do Templo e não fazem parte da música celestial descrita no
Apocalipse. Além disso, é errado pensar que os instrumentos de percussão
citados na adoração bíblica poderiam ser tocados da mesma maneira que a
bateria é tocada hoje. [Também não significa que possamos usar a
percussão como era usada no Antigo Israel. Além disso, é bom lembrar que
o piano igualmente não faz parte da música celestial descrita no
Apocalipse.]
3. Existe grande diferença no modo como os tambores (bumbo, tarol,
tímpano) são tocados numa orquestra e na bateria numa banda de rock.
4. A bateria foi inventada para o único propósito de fortalecer o
jazz, blues e todas as variedades de rock’n’roll. Por isso, não pode ser
separada da origem do rock e do jazz.
5. O rock e o jazz estão associados a sexo, drogas, ocultismo e
rebelião, por isso são formas de música inadequadas para a adoração.
[Não podemos ignorar o fato de que muitos hinos tidos como
“tradicionais” também têm origem, digamos, duvidosa. Alguns provêm de
músicos maçons ou têm que ver com a guerra, o nacionalismo/patriotismo
“rebelde”, o pentecostalismo, a valsa e o gospel, e mesmo com canções
populares.]
Bateria: terreno pantanoso
Em seu livro
Cristãos em Busca do Êxtase, o jornalista
Vanderlei Dorneles sustenta que “a exclusão do tambor no templo pode
indicar que Deus não quis o instrumento na música de adoração por causa
de sua influência” (p. 193; grifo meu).
Mais enfático é Samuele Bacchiocchi, em seu livro
O Cristão e a Música Rock,
ao afirmar que “nenhum instrumento de percussão foi permitido no
Templo. O canto e a música instrumental no Templo deveriam diferir
daqueles usados na vida social do povo” (p. 209). [Cf. 2 Crônicas
29:25.]
Dorneles cita Helen Grauman, segundo a qual a flauta também foi
excluída da lista de instrumentos do templo. Então o silêncio sobre um
tópico quer dizer a confirmação de uma hipótese? Talvez não.
No livro
In Tune With God (Review and Herald), páginas 113 e
114, a Dra. Doukhan diz que se alguém argumentar que os tambores têm
que ser excluídos da igreja com base em práticas bíblicas do Templo
hebraico, então as mulheres deveriam ser excluídas do serviço musical da
igreja (ou de qualquer outra atividade na igreja). Se as flautas não
foram aceitas na disposição litúrgica do Templo, não haveria lugar para o
órgão hoje, pois este é nada mais que um “grupo de flautas” (os tubos
de um órgão têm a função de flautas).
O piano, o órgão e o violão ¬– todos passaram por debate semelhante.
Mas isso não significa que o uso desses instrumentos não deva ser alvo
de estudos e motivo de oração. Além disso, é sempre bom lembrar que, na
adoração, não é meu gosto que deve prevalecer, do contrário, estarei
reproduzindo a atitude de Caim.
No artigo “Música sacra, controle religioso e fetiche cultural”,
Joêzer Mendonça, doutorando em musicologia na Unesp, sugere que “é
preciso verificar se determinada comunidade religiosa, com diferentes
grupos etários e culturais, reunida num templo se sente à vontade com
mudanças litúrgicas mais radicais e ‘emergentes’. Uma comunidade poderá
se sentir pronta para certas mudanças e outras nem tanto. Porém, se esse
debate não cessa, que ao menos fique livre de tradicionalismos
obscurantistas e inovações irrefletidas”.
Creio que três versos paulinos se encaixem bem neste contexto: “Todas
as coisas são permitidas, mas nem todas são proveitosas. Todas as
coisas são permitidas, mas nem todas são edificantes. Ninguém busque seu
próprio bem, e sim o dos outros. [...] Não vos torneis motivo de
tropeço nem para judeus, nem para gregos, nem à igreja de Deus, assim
como em tudo eu também procuro agradar a todos. Pois não busco meu
próprio bem, mas o de muitos, para que sejam salvos” (1 Coríntios 10:23,
24, 33).
“Deve haver um cuidado especial para não utilizar músicas que apenas
agradem os sentidos, tenham ligação com o carismatismo, ou tenham
predominância de ritmo”, recomenda o Voto 2005-116 (5/5/2005), da
Divisão Sul-Americana da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Esse é um
ótimo conselho da Igreja.
Hiperestimulação
Minha esposa gosta muito do filme clássico “A Noviça Rebelde”, de
1965. Nele há longas tomadas com diálogos e caminhadas ao som de
musiquinhas tranquilas. Hoje nenhum diretor se dá ao luxo de filmar
assim. Os filmes têm tomadas curtas, cheias de ação e mudanças de
planos. Se não for assim, a plateia dorme. Por quê? Porque as pessoas
foram aos poucos acostumadas com a hiperestimulação dos sentidos.
O mesmo ocorre com o paladar. Se lhes fossem oferecidos uma maçã ou
um sorvete, geralmente as pessoas optariam por qual deles? O paladar de
alguns está tão pervertido que os alimentos simples, não condimentados
ou açucarados, já não lhes dão prazer gustativo. Culpa da
hiperestimulação.
No sexo ocorre fenômeno semelhante. A exposição da nudez quase não
mais choca ou constrange esta geração sensualizada. O sexo criado por
Deus
foi deturpado e deu origem à pornografia, pedofilia, zoofilia e outras barbaridades. Hiperestimulação.
Você acha que a música ficaria fora dessa tendência?
A hiperestimulação, no que diz respeito à música, consiste em
supervalorizar o ritmo e o volume em detrimento da melodia e da
harmonia. Note como Ellen White define o bom cântico: “O bom cântico é
como a música dos pássaros –
suave e
melodioso” (
Música, p. 26; grifo meu). E Paulo escreveu: “Cantarei com o espírito, mas também cantarei com a
mente” (1 Coríntios 14:15; grifo meu). O que a hiperestimulação faz é justamente dificultar o pensamento racional. E viciar.
De acordo com Norman Weinberger, o ritmo repetitivo sincopado e
marcado aumenta os níveis de neurotransmissores (noradrenalina,
serotonina e dopamina) e de adrenalina no sistema nervoso central,
gerando prazer. A música com esse tipo de ritmo ativa alguns dos mesmos
sistemas de recompensa estimulados por comida, sexo e drogas (“Mente e
cérebro – segredos dos sentidos”,
Scientific American Brasil, Edição Especial nº 12, p. 53).
Em seu livro
In Tune With God , Lilianne Doukhan afirma que,
“no estilo musical em que um dos elementos [da música] torna-se
dominante em detrimento dos outros através de uma presença monolítica,
sustentada e acentuada, o princípio do equilíbrio é destruído e o efeito
holístico da música que deve caracterizar nossa música de adoração, em
particular, fica perdido” (p. 27, 28).
Assim como ocorre com a gustação e o sexo, o prazer, em si, é neutro. Mas o sexo fora de contexto e pervertido pode causar uma
resposta dopamínica viciante
naquilo que é errado. Quando praticado no contexto certo, cria vínculos
(oxitocina/vasopressina) com o parceiro e “vicia” de modo correto. É
possível sentir prazer com qualquer tipo de música, mas a sensação em si
a torna adequada? Meu gosto será guia seguro?
Segundo Ellen White, “Satanás sabe que órgãos excitar
[hiperestimular] para animar, monopolizar e atrair a mente de modo que
Cristo não seja desejado. Os anelos espirituais da alma [...] ficam por
esperar” (
O Lar Adventista, página 407). E mais: “Se
trabalharmos para criar excitação do sentimento, teremos tudo quanto
queremos, e mais do que possivelmente podemos saber como manejar. [...]
Importa não considerar nossa obra criar excitação. Unicamente o Espírito
de Deus pode criar um entusiasmo são” (
Mensagens Escolhidas, v. 2, p. 16, 17).
Por isso o
Manual da Igreja (edição 2010) aconselha: devemos
“exercer grande cuidado na escolha da música no lar, nos encontros
sociais, nas escolas e igrejas. Toda melodia que partilhe da natureza do
jazz, rock ou formas híbridas relacionadas e toda linguagem que
expresse sentimentos tolos ou triviais, serão evitadas” (p. 151). Isso
significa que a Igreja Adventista do Sétimo Dia desaprova qualquer tipo
de música que faça lembrar os estilos musicais mencionados acima.
Floreios e contorcionismos vocais
“Tenho ouvido em algumas de nossas igrejas solos completamente
inadequados ao culto na casa do Senhor. As notas prolongadas e os
floreios, comuns nas óperas, não agradam aos anjos. Eles se deleitam em
ouvir os simples cânticos de louvor entoados em tom natural. Unem-se a
nós nos cânticos em que cada palavra é pronunciada claramente, em tom
harmonioso. Eles combinam o coro, entoado de coração, com o espírito e o
entendimento” (Ellen G. White,
Evangelismo, p. 510).
Por que será que os anjos não se agradam das “notas prolongadas” e
dos “floreios comuns nas óperas”, quando usados na igreja? A expressão a
seguir, sua definição e aplicação é um forte auxílio para que
compreendamos os motivos para a orientação recebida do Céu, segundo
Aurélio Ludvig, professor de Educação Musical no Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (Ifam):
Ad libitum. Essa expressão aparece na partitura de algumas
óperas e outras formas musicais. Refere-se principalmente às partes dos
solistas, nas quais eles têm liberdade de interpretação, a parte da
contagem rítmica. As notas musicais (sons definidos, com nome e altura)
podem ser identificadas nesse tipo de recurso vocal, a coloratura. Em
geral, isso faz com que o solista seja exaltado pela plateia porque ele
pode mostrar ali todo o seu virtuosismo. Traduzindo:
show.
O louvor dos anjos passa longe disso: “Os serafins ao redor do trono
acham-se tão cheios de solene reverência ao contemplar a glória de Deus,
que nem por um instante se olham a si mesmos com admiração. Seu louvor é
para o Senhor dos Exércitos. Ao contemplarem o futuro, quando toda a
Terra será cheia de Sua glória, o triunfante cântico ecoa de um a outro
em melodioso acento: ‘Santo, Santo, Santo é o Senhor dos Exércitos’ (Is
6:3). Acham-se plenamente satisfeitos de glorificar a Deus; permanecendo
em Sua presença, sob Seu sorriso de aprovação, nada mais desejam”
(Ellen White,
Obreiros Evangélicos, p. 21).
Para Ludvig, o
Ad libitum se assemelha ao famoso
melisma.
“Nesse recurso, não há a possibilidade de identificação das notas
musicais. Muitas vezes, as pessoas não conseguem alcançar notas mais
agudas, por isso fazem uma pequena curvatura nelas, até as definirem.
Mas se não alcançam, por que não experimentam cantar aquelas músicas que
sabem que não precisarão de um ‘jeitinho’? Se cada palavra deve ser
pronunciada claramente, em tom harmonioso, para que serve o melisma?”
É claro que a música judaica, por exemplo, é cheia de melismas. O
canto gregoriano é também um canto melismático. No contexto da adoração
cristã, o que se recomenda é que não se exagere nesse recurso e que ele
não seja transformado em exibição vocal ou maneirismo chato e abusivo.
Relativismo musical
“Vivemos o período conhecido como pós-modernidade, caracterizado por
um relativismo avesso à verdade absoluta. O choque entre a visão
adventista e o espírito desta época afeta a questão da adoração”,
escreveu o teólogo Douglas Reis, em seu livro
O Y da Questão (capítulo 14). Depois ele cita o artigo de Daniel Plenc, “O culto como adoração: uma perspectiva de Ellen White” (
Dialogue,
20[2], 15-16): “Se encararmos a adoração como um reconhecimento do
caráter amoroso de Deus e uma homenagem sincera a Seus atributos,
seremos levados a reconhecer que a adoração tem de agradar-Lhe. É dever
do adorador apresentar algo agradável ao ser adorado.”
Exemplo de relativismo: “O que faz uma música sagrada é a sua
mensagem [letra]. A música não é nada mais do que um arranjo de notas e
ritmo. […] Não existe música cristã, mas, sim, letras cristãs. Se fosse
tocada uma música sem palavras, você não saberia se é cristã ou não”
(Rick Waren,
Uma Igreja com Propósito, p. 272-273).
Douglas arremata: “Quando Ellen White comenta os efeitos danosos que a
‘música popular’ de seus dias causava sobre os jovens, desviando-lhes
‘a mente da verdade’ [T, v. 1, p. 496, 497], temos de entender sua
orientação dentro de uma ‘época em que o jazz começava a se
generalizar’. Daí se pode constatar que Ellen White era uma crítica
social, não alguém que recomendasse o uso indiscriminado de influências
culturais com objetivos evangelísticos.”
Conselhos inspirados
“Como parte do culto, o canto é um ato de adoração tanto como a oração” (Ellen White,
Música, p. 11).
“Frequentemente, pelas palavras de um canto sagrado, são liberadas as fontes do arrependimento e da fé” (Ibidem, p. 12).
“Não é o cantar forte que é necessário, mas a entonação clara, a
pronúncia correta e a expressão vocal distinta. [...] que o louvor a
Deus seja entoado em tons claros e suaves, sem estridências que ofendam o
ouvido” (Ibidem, p. 24).
“Às vezes é mais difícil disciplinar os cantores e fazê-los atuar de
forma adequada, do que desenvolver hábitos de oração e exortação. Muitos
querem fazer as coisas à sua maneira. Não concordam com as regras, e
ficam impacientes sob a liderança de alguém” (Ibidem, p. 25).
“Deus não Se agrada de barulho e desarmonia” (Ibidem, p. 32).
“A música, quando bem utilizada, é uma grande bênção, mas, quando mal-usada, uma terrível maldição” (Ibidem, p. 48).
Dividir para conquistar
O assunto da música na igreja tem sido um dos mais polêmicos nos
últimos anos. Discussões acaloradas envolvem o uso desse ou daquele
instrumento; estilos musicais; comercialização da música; etc. Sem
dúvida, dialogar sobre esse tema nos ajuda a ampliar os horizontes e
pode ser realmente benéfico, se o desejo é aprender humildemente para
louvar cada vez melhor Aquele que nos criou e redimiu.
Mas há um perigo destacado por Eurydice Osterman, em seu livro
O Que Deus diz Sobre a Música:
“Quando nossa discussão sobre esses temas nos desviam de focalizar
nossa atenção em Deus, esteja certo de que o inimigo plantou sua semente
de discórdia com sucesso de modo que ele pode dividir e conquistar, e,
afinal, conduzir seus cativos à perdição” (p. 24).
Não podemos permitir que esse ou qualquer outro assunto promova
divisão entre o povo de Deus, cumprindo ao contrário a oração de Jesus
registrada no capítulo 17 do evangelho de João. A unidade da igreja deve
estar acima das preferências de seus membros, e os cristãos maduros
saberão deixar o eu de lado para cumprir o desejo do Senhor para Seus
filhos: que sejam um.
Adoração
No capítulo 3 do livro de Daniel está a descrição de uma cena
dramática. Uma multidão foi convocada pelo rei Nabucodonosor para se
prostrar diante de uma estátua de ouro que ele mandou construir. Música
foi usada na celebração: “Quando todos os povos ouviram o som da
trombeta, do pífaro, da harpa, da cítara, do saltério e de
toda sorte de música,
se prostraram os povos, as nações e homens de todas as línguas e
adoraram a imagem de ouro” (Daniel 3:7; grifo meu). Apenas três jovens
hebreus leais a Deus não se deixaram envolver pelas músicas e pelo clima
do culto pagão.
A história deixa claro que Satanás aceita e promove “toda sorte de
música” e a usa com objetivos espúrios, a fim de escravizar as pessoas e
afastá-las do Criador e do verdadeiro culto “racional” (Romanos 12:1).
Entretanto, Deus aceita somente a adoração e o louvor conscientes de
Seus filhos fiéis.
Devemos sempre louvar com reverência e alegria o Deus que nos criou e
redimiu. Louvar do melhor modo que pudermos, sem nos esquecer de que o
louvor pode e deve ser aprimorado sempre: “Quenanias, chefe dos levitas,
estava encarregado dos cânticos e os dirigia, porque era capacitado” (1
Crônicas 15:22). Busque a capacitação – especialmente aquela que vem do
Alto.
Michelson Borges, jornalista e mestre em teologia
Fonte: Revista Adventista